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A Terceira Margem – Parte CCXLI – Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 1ª Parte – XXI Forte Coimbra – III

Publicado em: 18/06/2021 - 3:53
A Terceira Margem – Parte CCXLI – Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 1ª Parte – XXI Forte Coimbra – III

Expedição Centenária Roosevelt-Rondon
1ª Parte – XXI

Forte Coimbra – III

João Severiano da Fonseca (1875)

(Continuação)

 

No alto, via-se a porta, como um pedaço de céu, dando um suave contentamento aos olhos e coração, e permitindo perceber pendentes do teto, como filigranas enormes, as tão caprichosas concreções: no chão, ora pedregoso, ora de finíssima areia branca, poças de água salobra eminentemente carregada de carbonato calcário, essa mesma água que, merejando das abóbadas, tinha sido a produtora de tão notáveis maravilhas, dissolvendo as terras, decompondo-se ao contato do ar e perdendo parte do ácido carbônico que a satura; espessando-se pouco a pouco, ficando suspensa às abóbadas ou caindo em grossas gotas cheias daquele sal, as quais, gradualmente se solidificando e se justapondo, vão “pari-passu” crescendo o engrossando de volume, graças à nova “lympha” que incessantemente sobre elas desce e às novas gotas que aí cristalizam.

 

Descemos uns quarenta companheiros; e os primeiros que baixamos gozamos, ainda, de um agradável espetáculo que não foi dado à todos fruir. Era curioso e importante ver, tênue luz dessa penumbra, os retardatários agarrados às asperezas das rochas com uma mão, enquanto na outra sustinham a lanterna ou o archote ainda apagados, descendo a escadaria, pondo em prática todas as leis do equilíbrio para não se despenharem nos abismos, cujas enormes goelas viam negras e medonhas, escancaradas à direita e à esquerda.

 

Como já o disse, pequenas poças d’água salitrada, rasas e de fina e branca areia, aparecem aqui e ali, entre o pedregal que assoalha o terrapleno. Numa dessas poças encontramos um crânio de jacaré, já muito antigo e gasto pela ação das águas; talvez o de algum descendente do que o ajudante de Coimbra, F. Rodrigues do Prado, aqui encontrou há oitenta anos, já com um braço de menos, que alguma onça lhe roubara.

 

Contornando para a esquerda as pedras da descida, e olhando-se para cima, vê-se a avantajada altura do precipício que ladeia a escadaria, e que começa com ela, desde a porta. Nesse primeiro piso, que é a antessala de tão maravilhosa estância há várias saídas para outras tantas cavernas, que suponho pequeninas e sem interesse, visto que não tem sido praticadas. Os guias e práticos do local que conduzem os visitantes, encaminham-nos logo para a grande caverna, que denominam salão e nenhuma notícia dão sobre elas; entretanto não é por medo, visto que têm-se animado à maiores cometimentos, como o da passagem de uma estreita e comprida galeria, mais soterrada que as outras cavernas, com as quais estabelece a comunicação, escuríssima e completamente alagada e quase sem ar, o que impede-lhe o uso da luz artificial. Se fosse o perigo a causa de não serem visitadas, se acabassem em precipícios e abismos, disso restaria memória, a tradição. Um dos nossos companheiros, o Sr. farmacêutico Mello e Oliveira, penetrou alguns passos num desses escuríssimos antros, que ficava quase fronteiro à descida mas não se aventurou além.

 

Formam as paredes das diferentes grutas vastas concreções estalactiformes manifestadas sob formas as mais curiosas. Aqui e ali caem em panos como formosas cascatas, que a natureza tivesse petrificado, ou como acinzentadas cortinas, com as suas dobras, os seus fofos e apanhados, cobrindo em parte as falhas do rochedo – que são as portas que comunicam as diferentes grutas, ou melhor salas.

 

Não fantasio, nem se julgue que minhas comparações sejam frutos da imaginação ajoviada  pelas maravilhas que vê: são verdadeiros simulacros de cascatas, são cortinas, colunas, coxins e rendilhados esses processos calcários.

 

Causam admiração e prazer vê-los; e vendo-os o espírito é obrigado ao recolhimento e à reflexão. Está-se, numa dessas ocasiões em que na frase de Vitor Hugo, qualquer que seja a posição do homem, a alma está de joelhos.

 

Transposta uma dessas cortinas, à direita, e se me não engano, a que recobre a Porta maior, entra-se numa escavação atulhada de penedos irregulares, postos a nu pela desagregação e dissolução das terras, e em seguida no salão, o salão nobre desse estupendo palácio, que, sem dúvida alguma, é um “espécimen” de tudo o que há de mais bizarro e caprichoso nas maravilhas da natureza.

 

Apesar dos inúmeros fogachos que levávamos, não se podia descortinar tudo à satisfação; acendeu-se uma tigelinha de sinais, única que trazíamos, cuja luz brilhantíssima, patenteou-nos, sob novos prismas, esse quadro assombroso.

 

O clarão das luzes dava um tom irizado indescritível à atmosfera da gruta, variando desde o deslumbrante escarlate do fogo, até o violate e o azul-marinho. Parecia que nas paredes treluziam constelações de rutilantes gemas. Miríades de estrelas de cambiante fulgor caíam em chuvas de fogo, reproduzindo de uma maneira fascinante, e em maravilhosa escala esse fenômeno celeste, tão comum nas nossas noites de verão, das estrelas cadentes; ou antes, parecia que invisíveis fadas abriam inesgotáveis escrínios e despejavam a nossos pés diamantes, rubis, safiras, esmeraldas. Tudo brilhava… e ainda as poças e veios d’água que tínhamos aos pés, e umectavam as pedras do chão, reproduziam e estrelavam os mil fulgores que enchiam os ares.

 

A princípio, deslumbrado com o brilho da luz da tigelinha, não pude fazer uma ideia perfeita do que se apresentava a meus olhos, e somente, quando coloquei-a longe de mim, ao ouvir as estrepitosas exclamações dos companheiros, é que pude melhor apreciar o espetáculo sobrenatural e indizível que apresentava esse “palácio de fadas”. Mas sua duração foi pouca para satisfazer meus desejos: quando apagou-se ainda era brilhante e esplendida a caverna, alumiada à luz de tantos archotes; Mas o deslumbramento e o fulgor de sua fascinadora magnificência tinham-se amortecido de muito.

 

A maior parte dos companheiros deu-se por satisfeita e voltou; eu e outro, o Sr. João Cândido de Faria, negociante do Rio Grande do Sul, seguindo dois soldados do Forte que quiseram servir-nos de guias, aventuramo-nos a percorrer outras dependências da majestosa caverna. Passamos à terceira sala, ora subindo, ora descendo as asperezas de uma espécie de muralha de rochedos, de uns três metros de alto.

 

Era a sala por demais irregular e atravancada de penedos que ocultavam socavões lôbregos, escuros e talvez profundos, e que não pudemos vantajosamente apreciar por dispormos de poucas luzes.

 

Aí, entre aquela muralha e um grande bloco isolado, à direita, tem começo a galeria de que acima falei, verdadeiro túnel que liga essa sala com outras da direita, isto é, o primeiro grupo de cavernas e o menos conhecido, com o segundo e quase geralmente ignorado.

 

Tínhamos vindo bem acondicionados para o frio, que diziam ser excessivo na gruta: achamos o contrário e estávamos em junho. Tiramos as roupas pesadas, e eu conservei o colete, não só para conduzir o relógio, como para não me desagasalhar muito o tórax.

 

Entramos no túnel, que aí seria de uns dois metros de alto e mais de cem de largo, e logo reconhecemos que seu leito baixava em relação ao solo das outras cavernas. A água, que aí não chegava ao terço inferior da perna, em pouco subiu aos joelhos, e a cada passo que dávamos ia-se elevando até chegar à cintura, pelo que vi-me na necessidade de ir suspendendo e dobrando o colete para evitar que o relógio se molhasse. Não tinha previsto essa emergência… e veio-me então um tal ou qual arrependimento de, pelo menos, não ter-me também livrado daquela peça do traje. Contudo essa inadvertência foi-me de proveito.

 

Após alguns passos, já caminhávamos curvados para não batermos com as cabeças nas asperezas da parede superior do túnel, tanto ia este baixando na altura ao tempo que a água continuava a subir.

 

Compreendi que o túnel ia soterrando-se cada vez mais: ocorreu-me retroceder, mas pode mais em mim a curiosidade de continuar essa maravilhosa viagem e de conhecer esses segredos do que o receio de perder o relógio.

 

A passagem tornava-se cada vez mais difícil, abaixando-se mais e mais na altura: mas agora a água decrescia também, o que notei com espanto e muita satisfação; diminuindo tanto, que ocasião houve de só podermos caminhar de rastros, e ainda assim batendo a cada passo com a cabeça nas asperezas da abóbada; e, entretanto, logrei a felicidade de conservar ileso o relógio. Sem dúvida, agora o solo do túnel se elevava também e era o que fazia a angustura do passo.

 

Graças àquele incidente, pude facilmente estabelecer essas comparações de profundidade, altura e horizontalidade da galeria; mas infelizmente não me é dado rigorizar a sua extensão nem a direção que segue.

 

Para atender à primeira faltou-me a isenção de ânimo, pela ânsia e mesmo susto, difícil de evitar à quem por aí passa, e mormente pela primeira vez, como eu; para a segunda fora-me necessário uma bússola. Será, porém, de uns trinta metros e segue quase numa linha angular. À meio, mais ou menos, do seu percurso avistam-se as duas aberturas, de entrada e de saída, brancas de uma luz crepuscular, mas ainda assim bastante sensível na espessa escuridão do túnel.

 

 

Autor e Fonte: Hiram Reis e Silva

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